Artigo do Jornal Público foca Projeto SOS Azulejo

noticias_anjoNo Jornal Público de 10.10.10 foi publicado um artigo que foca o Projeto SOS Azulejo a partir de vários exemplos de boas práticas divulgadas e premiados pelo nosso Projeto. O artigo é assinado por Jorge Marmelo e é constituído por 2 textos e 1 caixa, que transcrevemos de seguida.

Texto que foca o Projeto SOS Azulejo:

“Vivemos rodeados de obras de arte e nem notamos que estão a ser roubadas

Vemos azulejos desde que abrimos os olhos para o mundo. Estão nas paredes de edifícios públicos, nas fachadas das nossas casas, em igrejas, jardins, fontes, ruas – em toda a parte. São um património histórico e artístico identitário do país. Está a ser roubado, destruído e vendido aos pedaços, mas a PJ criou um projecto para tentar aplacar o esbulho
Jorge Marmelo
Quantas vezes não nos sucedeu já ver um grupo de turistas com as máquinas fotográficas apontadas à fachada de um prédio pelo qual passamos todos os dias e ao qual nunca prestamos grande atenção? Diante das câmaras está quase sempre uma parede – uma parede forrada de azulejos, não muito diferente, afinal, de todas as outras paredes de azulejos que há nas cidades em que nos movemos. “Vivemos rodeados de azulejos, os azulejos tornaram-se habituais para nós, não ligamos. Mas os azulejos são um património riquíssimo do ponto de vista histórico e artístico e algo que nos identifica como país”, diz Leonor Sá, responsável pelo projecto SOS Azulejo, lançado pela Escola de Polícia Judiciária em 2008.
A necessidade de combater a criminalidade ligada ao azulejo surgiu de um aparente paradoxo: se, por um lado, a maior parte das pessoas não dá importância aos azulejos, há um grupo restrito que tem consciência dos valores de mercado das peças e que, por isso, se dedica a roubar, vender e traficar pedaços deste património nacional. A PJ já chegou a registar o furto de dez mil azulejos por ano e, embora os números oficiais tenham baixado e estabilizado nos últimos anos, ainda desapareceram cerca de oito mil azulejos entre 2008 e 2009.
Os números são impressionantes, mas apenas dão conta, crê-se, de uma pequena parte do problema, já que a maioria dos furtos nem sequer são comunicados às autoridades. “A grande parte dos registos são de Lisboa, mas no Porto, por exemplo, não recebemos queixas. Sabemos que ocorrem furtos, mas não temos registo deles. As cifras negras podem ser bastante significativas”, reconhece Leonor Sá.
Para além de se dedicar à preservação do património azulejar e à prevenção da criminalidade associada a este património, o objectivo do projecto SOS Azulejo passa por permitir que, pela divulgação dos delitos, as peças sejam reconhecidas e detectadas no momento em que são transaccionadas. “No mercado das antiguidades, os azulejos são muitíssimo valorizados, não só em Portugal, mas também no estrangeiro. As peças roubadas circulavam com grande facilidade e, por isso, quisemos dificultar a vida às pessoas menos honestas”, sintetiza a responsável pelo projecto SOS Azulejo.
O projecto assenta num site onde são divulgados conselhos que visam dificultar o roubo e a venda dos objectos roubados, insistindo-se na necessidade de fotografar as peças para permitir a sua identificação posterior ou na conveniência de exigir certificados de origem das peças quando se está a comprá-las. Resultado: apenas um dia depois de o projecto ter sido lançado, em 2008, um antiquário reconheceu, pelas fotos publicadas no site, uma das peças furtadas, permitindo recuperar um painel da autoria de Leopoldo Battistini que tinha sido furtado, em 2001, no Palácio da Rosa, em Lisboa. “É um projecto com grande potencial de prevenção e dissuasão e os resultados têm sido encorajadores”, adianta Leonor Sá.
Por outro lado, se o roubo de grandes painéis artísticos constitui a face mais visível e mediática do mercado negro dos azulejos, uma boa parte dos casos denunciados respeita a pedaços de revestimentos de fachadas compostas pela repetição de padrões artísticos produzidos em série desde o século XVII, mas sobretudo a partir do século XIX, época em que esteve em voga este género de acabamento de edifícios. Leonor Sá reconhece que, nestes casos, é ainda mais difícil detectar os roubos, uma vez que os azulejos que se encontram à venda em antiquários, às vezes por centenas de euros, podem ter saído de paredes de qualquer parte do país e terem origens perfeitamente legais. “Se os edifícios não estiverem classificados, as casas podem ser demolidas e os azulejos retirados e vendidos pelos proprietários”, explica.
No âmbito da preservação deste importante património, o projecto liderado pela PJ organiza ainda regularmente passeios de sensibilização. “Uma das últimas foi aos hospitais civis de Lisboa, onde há painéis muito importantes, mas que vão deixar de ser hospitais e os edifícios estão a ser vendidos. A experiência diz-nos que é precisamente nestes momentos de transição, quando os edifícios ficam devolutos, que os azulejos desaparecem e, por isso, já se conseguiu que, neste caso, se começasse a fazer o inventário e o estudo dos painéis”, explica Leonor Sá.”

Texto que foca boas práticas municipais:

“Porto, Ovar e Aveiro
Os azulejos também vão ao hospital

Três projectos pioneiros, no Porto, em Ovar e em Aveiro, ajudam proprietários e arquitectos a reabilitar as fachadas de habitações que ostentam uma das mais características marcas da paisagem urbana portuguesa. Lisboa também está a pensar no assunto

Júlio Vieira leva dezanove anos a salvar azulejos. Antes de começar a trabalhar no Banco de Materiais da Câmara do Porto, era ajudante de trolha e não sabia nada sobre esta peculiar forma de arte. “Fui aprendendo a gostar”, diz. Agora tem à sua guarda mais de quarenta mil mosaicos, incluindo peças do período hispano-árabe, para além de telhas de beiral (feitas no mesmo materiais dos azulejos), elementos de granito, estuques, gradeamentos, pequenas estátuas e ferragens. São materiais utilizados na construção civil de outros tempos e que a Câmara do Porto recolhe em demolições, recupera e disponibiliza gratuitamente, há duas décadas, a quem pretenda fazer intervenções de reabilitação urbana recorrendo aos elementos originais.
“Há azulejos que chegam aqui num estado tal que podem demorar duas horas só para serem lavados com água e sabão neutro”, conta Júlio Vieira, apontando para uma das caixas de madeira onde estão guardados os mosaicos, no piso térreo da Casa Tait, junto aos jardins do Palácio de Cristal. O trabalho, ainda assim, compensa. No Porto ou em Ovar – onde, desde 2000, funciona um serviço semelhante -, os bancos de materiais tradicionais têm registado uma procura cada vez maior, à qual vai sendo difícil dar resposta.
“Temos, em média, dez pessoas por mês a procurar o serviço”, revela o técnico da Câmara do Porto. Em Ovar, Isabel Ferreira, responsável pelo Atelier de Conservação e Restauro do município, conta que recebe inúmeras solicitações de fora do concelho, às quais não pode responder, uma vez que, tal como sucede no Porto e em Aveiro, o serviço é apenas prestado, por enquanto, aos respectivos munícipes. “Se pudéssemos alargar o trabalho a outros concelhos, e temos muita procura, esta seria uma actividade perfeitamente rentável”, garante.
Para dar resposta a esta necessidade do mercado, a autarquia ovarense viu já aprovada, aliás, a comparticipação comunitária de um projecto destinado a conferir uma dinâmica empresarial ao serviço de conservação e restauro do azulejo tradicional e a criar condições para alargar o serviço a outros concelhos do país. O projecto conta, segundo o presidente da câmara, Manuel Alves de Oliveira, com a parceria do Departamento de Engenharia Cerâmica e do Vidro da Universidade de Aveiro e da empresa Saint Gobain Weber Cimenfix e está avaliado em 173.462 euros.
Para além da recolha e restauro de azulejos, e do estudo dos materiais tradicionais associados (cores, argamassas, etc.), que também é feito no Porto e em Aveiro, a Câmara de Ovar presta ainda um serviço de restauro de fachadas danificadas, único no país. Só em casos excepcionais os proprietários de casas azulejadas são aconselhados a substituir as peças danificadas por novos mosaicos. Nestes casos, o serviço de restauro da cidade-museu do azulejo reproduz os exemplares antigos a partir das matrizes armazenadas e dos estudos pictóricos realizados. Trata-se igualmente de um serviço com muita procura, na medida em que a qualidade e os preços praticados são mais vantajosos do que os das fábricas especializadas, as quais normalmente só aceitam reproduzir azulejos em grandes quantidades. Deste modo, evita-se que, por causa de um ou dois azulejos que desapareceram, seja necessário substituir fachadas inteiras, preservando-se, assim, os azulejos tradicionais.
Em Lisboa, onde o património azulejar é também muito importante, a autarquia não tem ainda a funcionar um destes bancos de materiais, mas foi já criada uma comissão dedicada a este problema, tendo sido dados passos no sentido de perceber como funcionam os serviços especializados dos municípios que são apontados como exemplos de boas práticas no domínio da preservação deste património.
“Este é um bom exemplo de um serviço que as autarquias podem prestar à comunidade. É um trabalho muito importante e fundamental”, considera o arquitecto Pedro Balonas, que teve que recorrer ao mercado quando reabilitou um prédio da portuense Rua da Restauração para ali instalar o seu atelier. “Fui, nessa altura, ao banco de materiais, mas não tinham lá o tipo de azulejos de que eu precisava. Tive que mandar fazer iguais aos antigos. Mas já lá encontrei azulejos para outras obras de reabilitação que fiz entretanto”, conta o arquitecto.
Segundo Pedro Sarmento, responsável pelo depósito portuense, o banco de materiais é mais procurado por particulares do que por arquitectos. Quem ali se dirige tem ao dispor um conjunto de 870 padrões diferentes de azulejos, embora só sejam disponibilizados mosaicos produzidos a partir do século XIX. Os mais antigos servem apenas para fins museológicos e, mesmo entre os mais recentes, o banco de materiais mantém sempre uma reserva de dezasseis peças de cada padrão. “Permitimos, deste modo, que se preserve a memória histórica dos edifícios e, ao mesmo tempo, que os azulejos que recolhemos possam continua a cumprir a sua função”, explica aquele responsável. “Somos uma espécie de hospital do azulejo”, resume.
Em Aveiro, e para além da criação de um banco de azulejos, o trabalho da autarquia tem também incluído a criação de um plano de preservação e inventariação dos imóveis com fachadas azulejadas, nomeadamente na freguesia da Vera-Cruz, incentivando-se a reabilitação através da isenção de taxas e licenças urbanísticas das intervenções de preservação daqueles edifícios.
O exemplo destas três câmaras municipais, refira-se, foi este ano premiado pelo projecto SOS Azulejo (ver texto nas páginas seguintes), precisamente com a intuito de estimular outras autarquias a adoptarem práticas semelhantes. O trabalho, porém, não é fácil e chega a ser bastante moroso, conta Júlio Vieira. Em cada azulejo que chega ao Banco de Materiais do Porto, é preciso retirar-lhe a argamassa que vem agarrada, com cuidado para não partir os mosaicos, reconstituindo-se a parte anterior de modo a que os exemplares possam voltar a ser usados. “Mas, às vezes, os azulejos chegam aqui com cimento ou cobertos de fumo preto. É um trabalho muito minucioso”, assegura o técnico.”

Texto da Caixa:

“A herança árabe
A tradição da azulejaria em Portugal é uma decorrência da presença muçulmana na Península Ibérica, sendo os painéis compostos por fragmentos cerâmicos (normalmente quadrangulares) utilizados como suporte artístico desde, pelo menos, o século XV. Desde essa altura, o azulejo passou a ser utilizado para contar histórias. A partir do século XVII, o azulejo passa a ser bastante utilizado como revestimento de edifícios civis, passando a ser produzido em série por artesãos e tendo como grande centro difusor a cidade de Lisboa. No século XIX, a utilização deste revestimento decorativo generalizou-se e industrializou-se, tendo-se mesmo banalizado e abastardado durante o século XX.
Os azulejos dividem-se em dois grandes géneros. Os painéis artísticos, únicos e criados propositadamente para um determinado local, são normalmente figurativos, representando cenas históricas, actividades económicas, etc., mas também motivos vegetais e outros. Mais recentemente, passaram também a ser usados como suporte de arte contemporânea, com um carácter mais abstracto. Para além destes, existem os chamados azulejos de padrão, nos quais um determinado desenhos geométrico, composto por um ou mais azulejos, às vezes em relevo, se repete, formando um padrão, sendo normalmente utilizado como material de revestimento de edifícios. Apesar do seu carácter mais industrial, estes azulejos não deixam de ter, ainda assim, interesse artístico e valor de mercado, dependendo das épocas em que foram produzidos. J.M”